Quanto ao rei Sebastião, refere-se a um personagem cujas origens remontam a Portugal. Trata-se do mesmo rei D. Sebastião que morreu durante a batalha de Alcácer-Quibir, na segunda metade do século XVI, na luta contra os mouros do norte da África e cuja morte precoce foi uma das razões que levaram Portugal a cair sob o domínio da Espanha, em 1580.
Esse domínio estendeu-se por sessenta anos, até 1640, gerando, em Portugal, uma lenda segundo a qual D. Sebastião não morrera, mas se encantara, devendo em breve retornar à Europa com seus exércitos para libertar seu povo do domínio estrangeiro. Essa lenda gerou concepções de caráter messiânico em Portugal (o chamado sebastianismo), que duraram muitos anos, como é bem sabido, resultando em influências na literatura portuguesa do período. Mesmo depois de terem perdido sua importância em Portugal, essas idéias continuaram bem vivas no Brasil, estando presentes, por exemplo, em movimentos de caráter messiânico, como o episódio de Canudos, no Nordeste (cf. Cunha, 1995). Na região do Salgado se fala em três "moradas" do rei Sebastião. A primeira delas, certamente a mais falada, é a ilha de Maiandeua, no município de Maracanã, onde se situam a praia e o lago da princesa, que é a filha do rei. Trata-se de uma belíssima ilha, de acesso não muito fácil, mas com várias praias, sendo freqüentada por turistas. A segunda, menos famosa, é a ilha de Fortaleza, no município de São João de Pirabas, de acesso ainda mais difícil, onde existe a "pedra do rei Sabá" e o "coração da princesa". Quando visitei essa ilha, em 1986, nela só existia uma casa, de um comerciante da sede do município que ali passava períodos de lazer. A pedra, no entanto, era muito visitada. Trata-se de uma pedra comum, que tem mais ou menos um metro de altura, mas que, de longe, no ponto da praia onde chegam as embarcações, parece a figura de um homem moreno sentado. Próximo a essa pedra, fica uma outra, de cor branca, deitada sobre a areia da praia, em forma de coração. A pedra do rei Sabá é objeto de culto dos adeptos do catolicismo, da pajelança e dos cultos de origem africana. Ela está sempre cheia de velas, fitas do tipo das que se colocam em santos, e oferendas de toda sorte, sobretudo bebidas alcoólicas e tabaco. Percebi que muitas pessoas confundem o rei Sabá com o santo católico São Sebastião e fazem promessas a ele, que são pagas com as oferendas, que também são ali colocadas por adeptos da umbanda, por exemplo. Mas a ilha de Fortaleza é também uma "ilha encantada", como a de Maiandeua. O mesmo acontece com a ilha dos Lençóis, no litoral do Maranhão, que é menos referida ainda na região do Salgado: esta é a terceira morada do rei Sebastião. Para seus moradores, entretanto, a ilha dos Lençóis é a mais importante morada do rei (cf. Braga dos Santos, 1983 e Posey e Braga dos Santos, 1985). A idéia messiânica de um possível desencantamento do rei Sebastião está sempre presente na região do Salgado, entre as populações rurais. A lenda que expressa melhor essa idéia, contada em várias versões, refere-se à aparição de filha do rei a um pescador, na ilha de Maiandeua, pedindo que ele a desencante. Se isso acontecer, ele terá como recompensa casar com a princesa. Além disso, caso isso aconteça, as cidades dos encantados aflorarão à superfície, enquanto todas as nossas cidades irão para o fundo, estabelecendo-se, a partir daí, o governo do rei Sebastião sobre o mundo. Para desencantá-la, ele terá, como no caso do desencantamento de Cobra Norato, de cortar o couro da cobra em que a princesa se transforma, com uma faca virgem, até provocar sangue. Ocorre que, em todas as versões que ouvi, o pescador sempre falha, sentindo-se apavorado com a presença daquela enorme cobra. Ao fugir, ainda ouve um lamento: "Ah, ingrato, redobraste meus encantes!". Na região do Salgado o rei Sebastião é visto como o rei de todos os encantados. Há uma outra lenda, também narrada em várias versões, que trata de uma disputa entre os dois grandes encantados, o rei Sebastião e Cobra Norato, em que este foi derrotado e, em algumas versões, morto pelo rei. A partir desse episódio é que o rei Sebastião passou a ser o mais importante de todos os encantados da região. Segundo os relatos de meus informantes, em muitas sessões de pajelança o rei Sebastião se incorpora nos pajés mais notáveis, vindo com o objetivo de curar as doenças de seus pacientes.
Um comentário:
Agradeço a partilha por essa rica pesquisa.
Parabéns.
Mônica Pamplona.
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